quarta-feira, 16 de maio de 2007

Sobre Direitos de Autor e Direitos conexos

Sobre os direitos de autor e direitos conexos: mais uma vez a responsabilidade do Estado

Desde há muito que a SPA (Sociedade Portuguesa dos Autores), a despeito de pareceres e jurisprudência que desde o princípio negam a admissibilidade de uma tal pretensão, se vem arrogando no direito de exigir dos proprietários de bares, cafés e estabelecimentos de restauração (que mantêm aparelhos de rádio e televisão ligados e com acesso aos seus clientes) uma certa soma pecuniária a título de pagamento de direitos de autor.

A legitimidade da SPA adviria do facto de nas rádios e televisões serem recebidas obras de autores por essa entidade representados.

Fundamenta-se a SPA numa falsa interpretação da lei. Destarte, estabelecem os n.os 1 e 2 do artigo 149.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, respectivamente, que «depende de autorização do autor a radiodifusão sonora ou visual da obra, tanto directa como por retransmissão, por qualquer modo obtida», «depende igualmente de autorização a comunicação da obra em qualquer lugar público, por qualquer meio que sirva para difundir sinais, sons ou imagens». Acresce a isso o disposto no artigo 155.º do mesmo diploma legal, nos termos do qual: «é devida igualmente remuneração ao autor pela comunicação pública da obra radiodifundida por altifalante ou por qualquer instrumento análogo transmissor de sinais, de sons ou de imagens». O desrespeito por estes normativos configura violação dos direitos de autor, preenchendo o tipo legal do crime de usurpação previsto no artigo 197.º do CDADC, cujo n.º 1 prescreve: «comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, da produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código», incorrendo na moldura do artigo 197.º do mesmo Código.

A este propósito, prescreve o artigo 11-Bis da Convenção de Berna:
«1 – Os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar:
1.º A rádiodifusão das suas obras ou a comunicação pública dessas obras por qualquer outro meio que sirva à difusão sem fio dos sinais, sons ou imagens;
2.º Qualquer comunicação pública, quer por fio, quer sem fio, da obra radiodifundida, quando essa comunicação seja feita por outro organismo que não o de origem;
3.º A comunicação pública, por alto-falante ou por qualquer outro instrumento análogo transmissor de sinais, sons ou imagens, da obra radiodifundida
».

Proibida encontra-se, conforme resulta do exposto, a comunicação pública da obra radiodifundida, sendo que é a desobediência a esta proibição que dá lugar ao pagamento dos direitos e à prática do crime de usurpação. Mas é precisamente aqui que reside toda a problemática, cabendo delinear em termos muito precisos o conceito de comunicação pública.
Segundo a noção oferecida pelo Gabinete do Direito de Autor do Ministério da Cultura, é comunicação pública a execução de uma obra num local público, fora do círculo familiar ou de um grupo de amigos e pessoas das relações do autor da execução. Não se pode menosprezar a distinção entre execução e mera recepção de obra, já que, no primeiro caso, estamos perante uma conduta activa, enquanto a recepção, pode dizer-se, se consubstancia numa conduta passiva.

Em resposta a um proprietário de um clube de ténis, a SPA refere que o Parecer n.º 4/92 da Procuradoria-Geral da República (que negou a necessidade de autorização para estes casos) não alterou as disposições legais em vigor (o que é óbvio, dado que um parecer não se presta a este objectivo, mas tão só o de oferecer a correcta interpretação da legislação para um específico caso) e que, não vinculando os tribunais, estes, na sua maioria (o que, é importante dizer, não corresponde à verdade), não têm dado acolhimento à tese no seu seio defendida. Verifica-se ainda que o estabelecimento em causa, efectivamente, comunica programas televisivos e difunde música ambiente, «sendo irrelevante para o caso se a mesma provém de rádio ou de fonogramas», devendo por fonograma entender-se o registo sonoro em suporte material como, por exemplo, discos (usuais ou compactos), fitas magnéticas, etc.

Não é realmente indiferente o facto de a obra protegida provir de rádio (ou televisão) ou de fonogramas. Isso porque, como já se salientou, devemos fazer uma distinção entre as condutas dos estabelecimentos deste tipo entre passivas e activas. No caso da obra recebida por aparelhos de rádio e/ou televisão, o proprietário do estabelecimento encontra-se numa posição passiva, uma vez que não pode controlar o conteúdo da emissão. Diferente é o caso da reprodução de um fonograma, caso em que a conduta passa a dever ser considerada como activa, conduta esta traduzida numa reutilização da obra com total controle pelo seu conteúdo.

Na verdade, os hotéis, bares, restaurantes e estabelecimentos similares devem ser considerados como locais públicos (assim como se infere do n.º 3 do artigo 149.º do CDADC) e, ao serem reproduzidas (executadas) nesses locais obras fixadas em suporte material, a atitude passa a poder ser qualificada como de comunicação pública não autorizada, neste caso sim, e apenas nele, ficando o proprietário responsável pelo pagamento dos direitos de autor e podendo, inclusive, responder pelo crime de usurpação.

No outro caso a solução já não é a mesma. Aqui, para a obra estar a ser objecto de transmissão ou retransmissão por ondas de rádio ou por cabo, é porque a comunicação pública foi prévia e devidamente autorizada.

É preciso notar que a obra assim difundida é destinada a um número indeterminado de sujeitos, e que pela referida autorização o autor já deve ter recebido (ou até pagou) uma qualquer quantia proporcional ao número de espectadores, pelo que é contrário ao direito pretender receber uma segunda vez daqueles a quem, ao fim e ao cabo, são destinadas as emissões de rádio e televisão. Uma tal atitude configura um «venire contra factum proprium» e, como tal, é proibido pelo sistema.

As dúvidas sobre a matéria perdurarão até que o Estado tenha o bom senso de esclarecer a matéria, através de uma cuidada intervenção legislativa que consagre aquilo que ficou dito, sendo responsável por todos os danos morais e patrimoniais resultantes dessa situação de incerteza e insegurança que, por sua vez, derivam da omissão legislativa do Estado.

José Eduardo D. R. da R. Frota
Jurista

terça-feira, 15 de maio de 2007

O Estado que responda por omissão legislativa : o caso Aquaparque


A Lei do Consumidor, em seu artigo 5.º, estabelece: «é proibido o fornecimento de bens ou a prestação de serviços que, em condições de uso normal ou previsível, incluindo a duração, impliquem riscos incompatíveis com a sua utilização, não aceitáveis de acordo com um nível elevado de protecção da saúde e da segurança física das pessoas». Trata-se, na verdade, apenas de uma reconstrução plástica do normativo constante do n.º 1 do art. 60.º da Constituição, nos termos do qual «os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos».

Não estamos aqui perante uma norma constitucional meramente programática, mas, pelo contrário, perante uma norma de aplicação directa, pois que inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias fundamentais e, nestes termos, como, de resto, resulta do n.º 1 do art. 18.º do Texto Fundamental, vincula directamente as entidades públicas e privadas.

Não significa isso, porém, que tais normas não careçam de qualquer concretização legislativa, ou seja, da aplicabilidade directa de tais normas não resulta que o legislador possa eximir-se a oferecer regulamentação adequada para determinados sectores da economia, de modo a fixar os requisitos necessários para que um bem (produto ou serviço) possa ser considerado de qualidade e seguro e, como tal, não colocando em perigo a saúde e a integridade física dos consumidores.

A não ser assim, escusando-se o Estado a fixar essa disciplina normativa específica, incorre em responsabilidade civil por omissão legislativa, assim como se pode concluir da letra de art. 22.º do Texto Constitucional, segundo o qual «o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem

A correcta interpretação desse preceito suscitou grandes dúvidas por ocasião da discussão do caso do Aquaparque do Restelo, entendendo alguns juristas de renome que o Estado apenas poderia responder por indemnização fundada na responsabilidade por acções e omissões praticadas no exercício da função administrativa e nunca pelas praticadas pelo poder legislativo, uma vez que, neste caso, faltaria o nexo de causalidade entre a omissão legislativa e o evento danoso. Não entendeu assim, e acertadamente — numa atitude corajosa, mas consequente —, a Juiz Anabela Luna de Carvalho, tendo condenado o Estado no pagamento de uma “vultuosa” quantia aos pais de uma das vítimas: 120 000 contos, ao tempo. Posição que o Tribunal da Relação de Lisboa manteve, se bem que reduzindo o montante da indemnização a metade do valor arbitrado na primeira instância.

O Estado deve realmente ser responsabilizado pelo mau exercício das suas funções, incluindo a legislativa e a judiciária.

É ao Estado que incumbe impor as regras a que devem estar sujeitos os empreendimentos turísticos, como parques aquáticos e quaisquer outros, de modo a proteger a saúde e a integridade física daqueles que os frequentam.

E é com base nesse entendimento que foi recentemente aprovado pela Assembleia da República o Projecto de Lei n.º 148/IX (Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado) — que revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967 —, onde se estabelecem expressamente os pressupostos da responsabilização do Estado pelas acções e omissões praticadas no exercício das funções administrativa, judiciária e legislativa.

É preciso regulamentar coerentemente os diversos sectores e respectivos subsectores da actividade económica. O Direito do Turismo é um deles… um sector cuja legislação é parca, dispersa e confusa (assim como resultou das conclusões da I Conferência Nacional de Direito do Turismo, que teve lugar no CAE da Figueira da Foz a 9 e 10 de Fevereiro transacto). Não se pode alegar que o Estado desconheça essa necessidade, sendo um dos (e, talvez, o principal) responsáveis pelas crescentes perdas que, de ano para ano, se vêm verificando nesse importante sector da economia portuguesa.

A qualidade dos serviços prestados no território nacional não deve (nem pode) ser descurada. Sendo factor decisivo da própria segurança, também passa por cada um e todos os que trabalham no ramo. Se persistir a política de «o cliente nunca tem razão», a imagem do país continuará a desvanecer-se além fronteiras, fazendo com que os turistas se não sintam incentivados a retornar. Prejudicada fica, assim, também, consequentemente, a mais eficaz de todas as publicidades que é a do «boca a boca».

É preciso, em suma, estabelecer-se um regime legal específico que contemple o consumidor turista (ou o turista consumidor): um regime que leve em conta os mais diversos serviços, quer públicos, quer privados.

Não se pode descurar que, no caso do turismo, o produto consumido é Portugal e qualquer vício, seja dos lugares que lhes são especialmente destinados, seja dos serviços mais gerais como polícia, saúde, estradas, etc., deverá ser considerado como defeito do produto, deste modo podendo o consumidor turista exigir o ressarcimento de tudo o que prestou.



José Eduardo D. R. da R. Frota
Jurista

sábado, 12 de maio de 2007

Aquisição de prédio arrendado...(Por Alice Conde)

A aquisição do prédio arrendado pelo arrendatário... em que moldes?!



O Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, prevê no artigo 48.º n.º 4, alínea c) a possibilidade de o arrendatário poder vir a adquirir o prédio arrendado, mandando aplicar, para tal, legislação complementar.

Determina assim a alínea c) do n.º 4 do artigo 48.º:

“Não dando o senhorio inicío às obras, pode o arrendatário:
c) comprar o locado pelo valor da avaliação feita nos termos do CIMI, com obrigação de realização das obras, sob pena de reversão”.

A legislação complementar surgiu com a publicação do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto (que entra em vigor dia 8 de Setembro do ano em curso) contemplando o Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, também desigando RJOPA.

No que concerne à possibilidade de o arrendatário adquirir o prédio arrendado, há que esclarecer o seguinte:

Quando o locado (prédio arrendado) apresente um estado de conservação mau ou péssimo, o arrendatário pode reabilitá-lo, podendo vir a adquirir o locado.

Para isso é necessário que se reúnam dois requisitos comulativos, previstos no artigo 35.º n.º 1 do DL:

“a) o senhorio, a tal intimado, não tenha iniciado as obras dentro do prazo de seis meses ou tenha declarado não o pretender fazer dentro desse prazo;
b) o arrendatário tenha soliciatdo ao município competente a realização de obras coercivas, nos termos do n.º 2 do artigo 30.º, sem que este as tenha iniciado no prazo de seis meses”.

Além desta possibilidade, o arrendatário pode ainda adquirir o prédio arrendado “no caso de o senhorio ou o muncicío terem suspendido a execução de obras anteriormente iniciadas nos termos das alíneas do número anterior e não as tenha retomado no prazo de 90 dias a contar da suspensão, desde que o arrendatário tenha posteriormente intimado ao seu reinício em prazo não superior a 30 dias”, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º.

Assim, se o município e o arrendador não derem inicío às obras decorridos 3 anos a contar do final dos 6 meses, pode o arrendatário interpor acção de aquisição no foro da situação do locado.

A acção deve ser proposta contra o arrendador e ainda, quando este não seja a mesma pessoa, contra o proprietário, superficiário ou usufrutuário, conforme o prescrito no artigo 37.º do DL em epígrafe.

A sentença de provimento tem como efeito a transmissão da propriedade do arrendador para o arrendatário, sendo apenas proferida quando se mostrar que o preço foi integralmente pago e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão. A sentença declara ainda o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, referindo também a obrigação de reabilitação e manutenção que recaeim sobre o arrendatário-adquirente pelo lapso correspondente.

Estas últimas obrigações - de reabilitação e manutenção - deverão ser iniciadas no prazo de 120 dias a contar da aquisição. Além disso, deve o arrendatário-adquirente manter o prédio arrendado em estado de conservação médio ou superior durante os 20 anos subsequentes à aquisição (artigo 39.º do DL).

De notar que se o arrendatário-adquirente não cumprir com a sua obrigação de reabilitação e manutenção, o anterior proprietário tem direito à reaquisição do prédio pelo mesmo preço, através de acção judicial (artigo 40.º).

Além disso, pode-se aqui fazer uma distinção relevante entre a aquisição de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios não constituídos em propriedade horizontal.

No primeiro caso, o arrendatário pode adquirir a fracção autónoma arrendada, mas se as obras necessárias à reabilitação do prédio incidirem sobre outras fracções autónomas ou mesmo sobre as partes comuns do prédio, o arrendatário pode vir a adquirir todas as fracções necessárias à realização da obra, podendo vir a adquirir a totalidade das fracções.

Por óbvio que, na contestação, o titular de cada fracção, pode vir a manifestar-se interessado em participar nas obras, caso em que o arrendatário não poderá adquirir a sua propriedade.

No caso de estarmos perante prédios não constituídos em propriedade horizontal, o arrendatário pode adquirir a totalidade do prédio. Na acção de aquisição, o arrendatário pode em alternativa invocar o seguinte:
• solicitar ao tribunal a constituição judicial da propriedade horizontal, adquirindo a propriedade em relação à fracção autónoma que vier a corresponder ao locado;
• solicitar ao tribunal a constituição judicial da propriedade horizontal, adquirindo a propriedade relativamente à fracção autónoma que vier a corresponder ao locado e ainda as fracções necessárias à realização da obra (artigo 43.º).

E é assim que se configura, em termos muito resumidos, o regime das obras em prédios arrendados, agora com esta novidade de o arrendatário poder adquirir o locado.

Facto que é contestado pelas associações de proprietários que consideram materialmente inconstitucional ao ofender o direito de propriedade que o Texto Fundamental reconhece iniludivelmente.

O Governo, por seu turno, diz não se estar perante qualquer inconstitucionalidade por expropriação particular, antes considera que se trata de uma manifestação da função social da propriedade que nos arrendatários acaba por radicar, já que a lei lhes confere tal faculdade.

O caso é duvidoso e controvertido.

O que vai obrigar o Tribunal Constitucional a intervir sempre que situações deste tipo (acção para aquisição do locado) se suscitar perante os tribunais cíveis.


Alice Conde