terça-feira, 15 de maio de 2007

O Estado que responda por omissão legislativa : o caso Aquaparque


A Lei do Consumidor, em seu artigo 5.º, estabelece: «é proibido o fornecimento de bens ou a prestação de serviços que, em condições de uso normal ou previsível, incluindo a duração, impliquem riscos incompatíveis com a sua utilização, não aceitáveis de acordo com um nível elevado de protecção da saúde e da segurança física das pessoas». Trata-se, na verdade, apenas de uma reconstrução plástica do normativo constante do n.º 1 do art. 60.º da Constituição, nos termos do qual «os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos».

Não estamos aqui perante uma norma constitucional meramente programática, mas, pelo contrário, perante uma norma de aplicação directa, pois que inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias fundamentais e, nestes termos, como, de resto, resulta do n.º 1 do art. 18.º do Texto Fundamental, vincula directamente as entidades públicas e privadas.

Não significa isso, porém, que tais normas não careçam de qualquer concretização legislativa, ou seja, da aplicabilidade directa de tais normas não resulta que o legislador possa eximir-se a oferecer regulamentação adequada para determinados sectores da economia, de modo a fixar os requisitos necessários para que um bem (produto ou serviço) possa ser considerado de qualidade e seguro e, como tal, não colocando em perigo a saúde e a integridade física dos consumidores.

A não ser assim, escusando-se o Estado a fixar essa disciplina normativa específica, incorre em responsabilidade civil por omissão legislativa, assim como se pode concluir da letra de art. 22.º do Texto Constitucional, segundo o qual «o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem

A correcta interpretação desse preceito suscitou grandes dúvidas por ocasião da discussão do caso do Aquaparque do Restelo, entendendo alguns juristas de renome que o Estado apenas poderia responder por indemnização fundada na responsabilidade por acções e omissões praticadas no exercício da função administrativa e nunca pelas praticadas pelo poder legislativo, uma vez que, neste caso, faltaria o nexo de causalidade entre a omissão legislativa e o evento danoso. Não entendeu assim, e acertadamente — numa atitude corajosa, mas consequente —, a Juiz Anabela Luna de Carvalho, tendo condenado o Estado no pagamento de uma “vultuosa” quantia aos pais de uma das vítimas: 120 000 contos, ao tempo. Posição que o Tribunal da Relação de Lisboa manteve, se bem que reduzindo o montante da indemnização a metade do valor arbitrado na primeira instância.

O Estado deve realmente ser responsabilizado pelo mau exercício das suas funções, incluindo a legislativa e a judiciária.

É ao Estado que incumbe impor as regras a que devem estar sujeitos os empreendimentos turísticos, como parques aquáticos e quaisquer outros, de modo a proteger a saúde e a integridade física daqueles que os frequentam.

E é com base nesse entendimento que foi recentemente aprovado pela Assembleia da República o Projecto de Lei n.º 148/IX (Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado) — que revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967 —, onde se estabelecem expressamente os pressupostos da responsabilização do Estado pelas acções e omissões praticadas no exercício das funções administrativa, judiciária e legislativa.

É preciso regulamentar coerentemente os diversos sectores e respectivos subsectores da actividade económica. O Direito do Turismo é um deles… um sector cuja legislação é parca, dispersa e confusa (assim como resultou das conclusões da I Conferência Nacional de Direito do Turismo, que teve lugar no CAE da Figueira da Foz a 9 e 10 de Fevereiro transacto). Não se pode alegar que o Estado desconheça essa necessidade, sendo um dos (e, talvez, o principal) responsáveis pelas crescentes perdas que, de ano para ano, se vêm verificando nesse importante sector da economia portuguesa.

A qualidade dos serviços prestados no território nacional não deve (nem pode) ser descurada. Sendo factor decisivo da própria segurança, também passa por cada um e todos os que trabalham no ramo. Se persistir a política de «o cliente nunca tem razão», a imagem do país continuará a desvanecer-se além fronteiras, fazendo com que os turistas se não sintam incentivados a retornar. Prejudicada fica, assim, também, consequentemente, a mais eficaz de todas as publicidades que é a do «boca a boca».

É preciso, em suma, estabelecer-se um regime legal específico que contemple o consumidor turista (ou o turista consumidor): um regime que leve em conta os mais diversos serviços, quer públicos, quer privados.

Não se pode descurar que, no caso do turismo, o produto consumido é Portugal e qualquer vício, seja dos lugares que lhes são especialmente destinados, seja dos serviços mais gerais como polícia, saúde, estradas, etc., deverá ser considerado como defeito do produto, deste modo podendo o consumidor turista exigir o ressarcimento de tudo o que prestou.



José Eduardo D. R. da R. Frota
Jurista

1 comentário:

Anónimo disse...

Aprendi muito