A aquisição do prédio arrendado pelo arrendatário... em que moldes?!
O Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, prevê no artigo 48.º n.º 4, alínea c) a possibilidade de o arrendatário poder vir a adquirir o prédio arrendado, mandando aplicar, para tal, legislação complementar.
Determina assim a alínea c) do n.º 4 do artigo 48.º:
“Não dando o senhorio inicío às obras, pode o arrendatário:
c) comprar o locado pelo valor da avaliação feita nos termos do CIMI, com obrigação de realização das obras, sob pena de reversão”.
A legislação complementar surgiu com a publicação do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto (que entra em vigor dia 8 de Setembro do ano em curso) contemplando o Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, também desigando RJOPA.
No que concerne à possibilidade de o arrendatário adquirir o prédio arrendado, há que esclarecer o seguinte:
Quando o locado (prédio arrendado) apresente um estado de conservação mau ou péssimo, o arrendatário pode reabilitá-lo, podendo vir a adquirir o locado.
Para isso é necessário que se reúnam dois requisitos comulativos, previstos no artigo 35.º n.º 1 do DL:
“a) o senhorio, a tal intimado, não tenha iniciado as obras dentro do prazo de seis meses ou tenha declarado não o pretender fazer dentro desse prazo;
b) o arrendatário tenha soliciatdo ao município competente a realização de obras coercivas, nos termos do n.º 2 do artigo 30.º, sem que este as tenha iniciado no prazo de seis meses”.
Além desta possibilidade, o arrendatário pode ainda adquirir o prédio arrendado “no caso de o senhorio ou o muncicío terem suspendido a execução de obras anteriormente iniciadas nos termos das alíneas do número anterior e não as tenha retomado no prazo de 90 dias a contar da suspensão, desde que o arrendatário tenha posteriormente intimado ao seu reinício em prazo não superior a 30 dias”, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º.
Assim, se o município e o arrendador não derem inicío às obras decorridos 3 anos a contar do final dos 6 meses, pode o arrendatário interpor acção de aquisição no foro da situação do locado.
A acção deve ser proposta contra o arrendador e ainda, quando este não seja a mesma pessoa, contra o proprietário, superficiário ou usufrutuário, conforme o prescrito no artigo 37.º do DL em epígrafe.
A sentença de provimento tem como efeito a transmissão da propriedade do arrendador para o arrendatário, sendo apenas proferida quando se mostrar que o preço foi integralmente pago e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão. A sentença declara ainda o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, referindo também a obrigação de reabilitação e manutenção que recaeim sobre o arrendatário-adquirente pelo lapso correspondente.
Estas últimas obrigações - de reabilitação e manutenção - deverão ser iniciadas no prazo de 120 dias a contar da aquisição. Além disso, deve o arrendatário-adquirente manter o prédio arrendado em estado de conservação médio ou superior durante os 20 anos subsequentes à aquisição (artigo 39.º do DL).
De notar que se o arrendatário-adquirente não cumprir com a sua obrigação de reabilitação e manutenção, o anterior proprietário tem direito à reaquisição do prédio pelo mesmo preço, através de acção judicial (artigo 40.º).
Além disso, pode-se aqui fazer uma distinção relevante entre a aquisição de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios não constituídos em propriedade horizontal.
No primeiro caso, o arrendatário pode adquirir a fracção autónoma arrendada, mas se as obras necessárias à reabilitação do prédio incidirem sobre outras fracções autónomas ou mesmo sobre as partes comuns do prédio, o arrendatário pode vir a adquirir todas as fracções necessárias à realização da obra, podendo vir a adquirir a totalidade das fracções.
Por óbvio que, na contestação, o titular de cada fracção, pode vir a manifestar-se interessado em participar nas obras, caso em que o arrendatário não poderá adquirir a sua propriedade.
No caso de estarmos perante prédios não constituídos em propriedade horizontal, o arrendatário pode adquirir a totalidade do prédio. Na acção de aquisição, o arrendatário pode em alternativa invocar o seguinte:
• solicitar ao tribunal a constituição judicial da propriedade horizontal, adquirindo a propriedade em relação à fracção autónoma que vier a corresponder ao locado;
• solicitar ao tribunal a constituição judicial da propriedade horizontal, adquirindo a propriedade relativamente à fracção autónoma que vier a corresponder ao locado e ainda as fracções necessárias à realização da obra (artigo 43.º).
E é assim que se configura, em termos muito resumidos, o regime das obras em prédios arrendados, agora com esta novidade de o arrendatário poder adquirir o locado.
Facto que é contestado pelas associações de proprietários que consideram materialmente inconstitucional ao ofender o direito de propriedade que o Texto Fundamental reconhece iniludivelmente.
O Governo, por seu turno, diz não se estar perante qualquer inconstitucionalidade por expropriação particular, antes considera que se trata de uma manifestação da função social da propriedade que nos arrendatários acaba por radicar, já que a lei lhes confere tal faculdade.
O caso é duvidoso e controvertido.
O que vai obrigar o Tribunal Constitucional a intervir sempre que situações deste tipo (acção para aquisição do locado) se suscitar perante os tribunais cíveis.
Alice Conde
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