quinta-feira, 19 de julho de 2007

Sobre as comissões bancárias (por Alice Conde)

Comissões especiais


Para o normal processamento de uma relação contratual é necessário que sejam observados certos deveres, os quais se correlacionam com a entrega da coisa vendida; com a entrega do preço ou com a realização de uma actividade, definindo, deste modo, o tipo de relação existente. Além destes existem também aqueles onde cabem os deveres de informação, de comunicação, de esclarecimento, que têm por fim assegurar o efectivo cumprimento da prestação e garantir que esta se processe de modo útil e satisfatório.

Por sua vez, estes deveres reconduzem-se, na sua maioria, ao dever geral da boa fé, que se encontra previsto em diversos artigos do Código Civil, como por exemplo, no artigo 762.º onde se diz no n.º 2:

No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.

No âmbito do direito do consumo, mais especificamente na Lei do Consumidor, encontramos também plasmado o dever da boa fé, no artigo 9.º n.º 1 que diz que “o consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos

O dever de informação é, de entre estes deveres, aquele que mais se destaca pela sua importância, devendo ser observado com especial acuidade, na fase pré-contratual. Aqui, as partes devem ter uma conduta honesta e leal uma com a outra, devendo sempre respeitar o princípio basilar da boa fé.

Este dever, por sua vez, encontra-se no artigo 8.º n.º 1 da Lei do Consumidor que compila:

O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico”.


É na fase pré-contratual que uma das partes deve comunicar à outra certos elementos essenciais para a celebração do futuro contrato, orientando a sua conduta pelo princípio da liberdade contratual , que se encontra previsto, entre nós, no artigo 405.º do Código Civil, que compila no n.º 1:

Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.

Um afloramento deste princípio é encontrado de igual modo no direito do consumo. Diz-se no artigo 9.º n.º 6 da Lei do Consumidor:

É vedado ao fornecedor ou prestador de serviços fazer depender o fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço da aquisição ou da prestação de um outro ou outros”.

No âmbito dos contratos de consumo, temo-nos vindo a deparar com a crescente composição dos mesmos com o recurso a cláusulas “imperativas”, ou cláusulas essenciais para a vida dos mesmos.

Tal como diz o Professor Carlos Ferreira de Almeida, in “Direito do Consumo”, pág. 124, quer-se com essas cláusulas “melhorar a consciência efectiva e a memória dos termos do acordo, tanto no que respeita à determinação precisa e completa dos seus objectivos (bem de consumo e preço), como no que respeita a outras cláusulas relativas às circunstâncias do cumprimento e incumprimento das prestações”, “facilitar a prova e aumentar a probabilidade de êxito no exercício de pretensões pelo consumidor”.

Esta tendência deve-se à crescente estandardização dos contratos de adesão, que passaram a constituir o instrumento, por excelência, da prática negocial. Aqui, em princípio, as cláusulas contratuais já se encontram predispostas, sem possibilidade de negociação entre as partes, e onde uma delas tem apenas que aderir ao modelo negocial.

Esta é a realidade dos contratos bancários, os quais lançam mão deste instrumento habitualmente, e onde é prática comum a estipulação de elementos essenciais que deles devem constar.

Por causa disso, é necessário que as partes, na fase pré-contratual, se pautem pelos princípios da boa fé contratual, da honestidade e da lealdade, de modo a prevenir abusos de direito que possam vir a surgir.

Assim, podemos encontrar em vários normativos, a estipulação do dever de informação a prestar pelos bancos. Desde logo e à cabeça temos o artigo 75.º do Regime Geral das Instituições Financeiras que diz assim no n.º 1:

As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.

Também o Aviso do Banco de Portugal n.º 1/95, de 17 de Fevereiro, vai no mesmo sentido ao dispor no artigo 1.º:

Todas as instituições de crédito e todas as sociedades financeiras, a seguir designadas por instituições, devem manter disponíveis, em todos os balcões, em local de acesso directo e bem identificado, em linguagem clara e de fácil entendimento, informações permanentemente actualizadas das condições gerais com efeitos patrimoniais de realização das operações e dos serviços correntemente oferecidos”.

E, bem assim, também o artigo 3.º do mesmo aviso que estipula que: “são, designadamente, relevantes para efeitos deste aviso as informações relativas a taxas de juro, impostos, comissões, prémios de transferência, portes, despesas de expediente e datas-valor das operações”.

Além deste aviso, muitos outros podiam ser invocados, destacando-se para este efeito os Avisos n.ºs 4/2000, 5/2000, 11/2001 e 6/2002. Também o Decreto-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto e o Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro são deveras importantes em termos do dever de informação.

A Lei do Consumidor reitera o que foi dito no artigo 8.º n.º 1 acima citado.

Assim, “o fornecedor de bens ou o prestador de serviços que viole o dever de informar responde pelos danos que causar ao consumidor, sendo solidariamente responsáveis os demais intervenientes na cadeia da produção à distribuição que hajam igualmente violado o dever de informação”- artigo 8.º n.º 5 da lei do Consumidor.

Ora, como já foi dito, na fase pré-contratual, as partes têm de cumprir certos deveres, os quais se analisam no dever de informação, de comunicação e de esclarecimento.

Deste modo, caso uma instituição financeira não informe ou, não informe devidamente, o seu cliente das comissões e demais custos de serviços, incorre em responsabilidade pré-contratual, ou responsabilidade “in contrahendo” como também é designada.

Isso porque na fase das negociações, criam-se entre as partes, especiais deveres de lealdade, de informação e de esclarecimento, dignos de tutela do direito.

Deste modo, o nosso Código Civil prevê no artigo 227.º/1 o seguinte:

Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boá fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

O que acaba de ser dito é encontrado também na Lei do Consumidor, no artigo 9.º n.º 1, por nós já mencionado.

Quer-se com este normativo, responsabilizar a parte culpada pela perda patrimonial que a parte lesada sofreu, e que esta não teria tido “se não fosse a expectativa na conclusão do contrato frustrado ou a vantagem que não alcançou por causa da mesma expectativa gorada”, nos dizeres de Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”.

Portanto, cabe às instituições bancárias informar devidamente o cliente, de modo a não frustrar as expectativas dos clientes-consumidores, sob pena de responderem pelos prejuízos que vierem a causar - artigo 12.º n.º 1 da Lei do Consumidor.

Alice Conde


Sem comentários: