segunda-feira, 30 de abril de 2007

Afixação de preços...(Por Alice Conde)

Não afixar os preços é ilegal...


Uma prática que costuma ser observada – e não devia sê-lo – é a da não afixação dos preços dos bens e dos serviços de consumo.
No entanto, é importante lembrar que “todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respectivo preço de venda ao consumidor”, tal como determina o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 162/99, de 13 de Maio.
Também os géneros alimentícios e os produtos não alimentares devem conter o preço por unidade de medida, prática frequentemente “esquecida” por diversas superfícies comerciais.
O preço, por sua vez, refere-se ao valor total em moeda com curso legal no país (no caso, em euros), devendo incluir todos os impostos, taxas ou outros encargos, de modo a que o consumidor tenha pleno conhecimento do que em rigor tem de pagar, e nada mais.
A indicação dos preços de venda e por unidade de medida deve ser feita em dígitos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, por forma a alcançar-se a melhor informação para o consumidor”, como prescreve o artigo 5.º do diploma citado.
Tal indicação de preços deve ser feita próxima do bem a que se refere ou no local em que a prestação do serviço seja efectuada, devendo também ser indicado o preço a pronto pagamento.
Quando a venda seja efectuada em conjunto, deve ser indicado o preço total, o número de peças e, quando seja possível adquirir as peças isoladamente, o preço de cada uma delas.
Situação que não costuma ser respeitada é a da afixação de preços nas montras e vitrinas, onde os bens devem até ser objecto de uma marcação complementar quando as respectivas etiquetas não sejam perfeitamente visíveis, tal como se estabelece no artigo 8.º do citado diploma legal.
Relativamente aos preços dos serviços em particular, devem estes “constar de listas ou cartazes afixados, de forma visível, no lugar onde os serviços são propostos ou prestados ao consumidor (...)”, tal como se estabelece no artigo 10.º.
No caso de o serviço ser prestado à hora, à percentagem, à tarefa ou segundo qualquer outro critério, “os preços devem ser sempre indicados com referência ao critério utilizado”. Se houver taxas de deslocação ou outras previamente estabelecidas, “devem as mesmas estar indicadas especificamente”.
É também obrigatória a afixação de preços nos serviços seguintes: cabeleireiros e barbeiros, garagens, postos de gasolina e oficinas de reparações, lavandarias, estabelecimentos de limpeza a seco e tinturarias, reparação de calçado, estabelecimentos de electricistas, hotéis e estabelecimentos similares, consultórios médicos, escritórios de advogados, entre outros.
Relativamente à publicidade, quando esta mencione preços de bens ou serviços, deve “indicar de forma clara e perfeitamente visível o preço total”, conforme o disposto no artigo 6.º.
Na altura de saldos e vendas com redução do preço, como a que transcorre, a afixação dos preços deve conter o preço praticado nessa ocasião e devendo ser também referenciado o preço praticado em épocas normais.
No que respeita aos estabelecimentos de restauração e de bebidas em particular, onde a afixação de preços também não é respeitada, deve dizer-se que de análogo modo é obrigatória, devendo os preços ser objecto de revelação em local perfeitamente visível, e de forma clara e bem legível em uma tabela onde devem ser incluídas as condições de prestação de serviços, conforme consta do artigo 1.º da Portaria n.º 262/2000, de 13 de Maio.
A ausência de fixação de preços é uma prática ilegal. As cominações para a não afixação dos preços (o que corresponde a um ilícito de mera ordenação) representa coimas de valor variável, como segue:
• Pessoas Singulares: de 249.40 euros a 3.740.99 euros.
• Sociedades Comerciais: de 2.493.99 euros a 299.927.88 euros.
A não correspondência (para mais) entre o preço anunciado e o preço praticado constitui crime de especulação, cuja moldura é a do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, como segue:
1. Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:
a) Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
b) Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;
c) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaboradas pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;
d) Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionados
”.
A não afixação de preços deve ser denunciada à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, a qual deve lavrar os autos respeitantes às contra-ordenações advindas da falta de cumprimento do disposto no DL n.º 138/90 e portarias conexas.
É que tal ausência dificulta ao consumidor a comparação de preços e viola o dever de informação que deve ser prestado pelos fornecedores de bens e prestadores de serviços. Este dever encontra-se plasmado no artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, também designada de Lei do Consumidor.
Quando o dever de informação não seja observado, ou seja prestada uma informação insuficiente, ilegível ou ambígua, o consumidor goza do direito de retractação do contrato, nos termos do artigo 8.º n.º 5 da Lei do Consumidor.
Por fim, de alertar os consumidores que perante uma situação de ausência de afixação de preços, além de poderem denunciar tal facto à ASAE, podem também lavrar o seu protesto no livro de reclamações respectivo.

Alice Conde

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Alice Conde

- Há que se dizer a verdade, pois então...!!! -


Em uma notícia publicada no jornal “Coimbra 39 – Jornal de Anúncios” correspondente à semana de 20 a 26 de Junho do ano passado, constava o que segue: “os descendentes de inquilinos deixam de herdar arrendamento”.

Há que alertar os consumidores para esta afirmação altamente falsa e errónea, já que os descendentes do arrendatário, sucedem sim ao arrendamento do mesmo.

Em primeiro lugar, há que referir o que o Regime do Arrendamento Urbano de 1990, consagrava para os casos de transmissão por morte do arrendatário. As pessoas a quem se transmitia o arrendamento eram:

Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto;
Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano;
Pessoa que com ele viva em união de facto há mais de dois anos, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente de pessoas e bens;
Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano; afim na linha recta, nas condições referidas (...) e, pessoas que com ele vivessem em economia comum há mais de dois anos
”.

Em segundo lugar, e tendo em conta a lei que agora se aplica, aos contratos para habitação que hajam sido celebrados antes de 15 de Novembro de 1990, celebrados na vigência do antigo regime e aos contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU, ou seja, após 15 de Novembro de 1990, a transmissão por morte dá-se em favor das seguintes pessoas:

Cônjuge com residência no locado;
Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência no locado;
Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;
Filho ou enteado com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a vinte e seis anos, frequente o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;
Filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%
”.

Este é o chamado regime transitório que ainda em muitos casos será aplicado.

Em terceiro lugar, o Novo Regime do Arrendamento Urbano estabelece no n.º 1 e n.º 2 do artigo 1106.º do Código Civil quais as pessoas que sucedem ao arrendamento em caso de morte do arrendatário:

1. O arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva:
a) Cônjuge com residência no locado ou pessoa que com o arrendatário vivesse no locado em união de facto e há mais de um ano;
b) Pessoa que com ele residisse em economia comum há mais de um ano.
2. No caso referido no número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, em igualdade de circunstâncias, sucessivamente para o cônjuge sobrevivo ou pessoa que, com o falecido, vivesse em união de facto, para o parente ou afim mais próximo ou de entre estes para o mais velho, ou para o mais velho de entre as restantes pessoas que com ele residissem em economia comum, há mais de um ano
”.

Ora, quando a lei se refere no n.º 2 do supra mencionado artigo, aos parentes mais próximos, quer-se referir aí, nomeadamente, aos filhos do arrendatário que, juridicamente, são parentes em 1.º grau em linha recta.
Portanto, é falsa a informação veiculada pelo jornal referido.

Os consumidores devem ser devidamente informados... e não enganados!

É preciso ter cuidado com o que se comunica a terceiros, já que tais informações podem conduzir a equívocos dificilmente irremediáveis.
Que se diga então a verdade...

Alice Conde
Jurista
Jul.06

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Recorrer aos julgados de paz?!

Recorrer aos Julgados de Paz...Porque não?!

Previstos na Constituição da República no n.º 2 do artigo 209.º os Julgados de Paz acham-se concretizados na Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho. São integrados na categoria dos tribunais “lato sensu”, apesar de serem deles diferentes, designadamente, dos Tribunais Judiciais, colocando-se ao lado dos Tribunais Arbitrais, como meios extrajudiciais de resolução de conflitos.

São um órgão de soberania (artigo 110.º n.º 1 da Constituição), independente (artigo 203.º da Constituição) e com competência para administrar a justiça em nome do povo.

Os Julgados de Paz são tribunais com características especiais, onde se pretende resolver os conflitos de forma rápida e a custos reduzidos. Além disso, têm a particularidade de funcionar durante todo o ano, inclusivé aos sábados de manhã, não desfrutando de férias judiciais.

Estes Julgados de Paz têm o dever de servir os consumidores, mas estes têm, por sua vez, o dever de participarem activamente na procura de soluções para os seus conflitos e de boa-fé.

Assentam em diversos princípios que os diferenciam dos tribunais judiciais. São eles o princípio da simplicidade (que consiste na eliminação do que seja um mero ritual); o princípio da adequação (que consiste no modo como os actos decorrem, tendo em vista a razão de cada um deles); o princípio da informalidade (segundo o qual deve prevalecer o conteúdo dos actos e não a sua forma); o princípio da oralidade (que significa que “é a falar que a gente se entende”); e o princípio da absoluta economia processual (segundo o qual os actos processuais serão reduzidos ao mínimo indispensável.

As matérias que lhes podem ser submetidas para apreciação e julgamento são as previstas no artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de que se pode destacar as seguintes:
• Incumprimento dos contratos e obrigações (excepto contrato de trabalho e arrendamento rural);
• Responsabilidade civil (contratual e extracontratual);
• Direito sobre bens móveis e imóveis, como a propriedade, condomínio, escoamento natural de águas, comunhão de valas, abertura de janelas, portas e varandas, plantação de árvores e arbustos, paredes e muros divisórios;
• Arrendamento urbano (exceptuando o despejo);
• Pedidos de indemnização cível, quando não tenha sido apresentada participação criminal ou após a desistência da mesma, como por exemplo, ofensas corporais simples, difamação, injúrias, furto e danos simples, alteração de marcos, entre outros.
As matérias que não são reguladas pelos Julgados de Paz são as de Direito da Família, Direito das Sucessões e Direito do Trabalho.

No que respeita às custas neste tipo de tribunais, estes reconduzem-se a uma taxa única de € 70,00, a cargo da parte vencida ou repartidas entre o demandante ou demandado, na percentagem determinada pelo Juiz de Paz, caso o processo termine por conciliação ou tal venha a resultar da sentença proferida.

Da referida taxa de € 35.00, a mesma, é paga com a apresentação do requerimento inicial e da contestação da primeira intervenção no processo, por cada uma das partes, respectivamente.
Se o processo for concluído por acordo, conseguido através da mediação, a taxa é de € 50,00.
No entanto, há que referir que no âmbito da Lei do Consumidor se diz que: “é assegurado ao consumidor o direito à isenção de preparos nos processos em que pretenda a protecção dos seus interesses ou direitos (...) desde que o valor da acção não exceda a alçada do tribunal judicial de 1ª instância”, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º.

Durante o processo, as partes têm de comparecer pessoalmente, podendo, no entanto, se pretenderem, fazer-se acompanhar por advogado, advogado estagiário ou solicitador. Quanto à constituição de advogado, é sempre obrigatória na fase de recurso.

Os conflitos podem ser resolvidos por três vias diferentes:
1) Pela mediação: se essa for a vontade das partes e com a intervenção de um mediador de conflitos. Esta via reflecte a vontade expressa dos consumidores quererem resolver os seus conflitos de forma amigável e através do diálogo.
Aqui, “se as partes chegarem a acordo, é este reduzido a escrito e assinado por todos os intervenientes, para imediata homologação pelo juiz de paz, tendo valor de sentença”, como se diz no artigo 56.º da Lei n.º 78/2001.
2) Por conciliação: em momento prévio ao julgamento.
3) Por julgamento: através de uma sentença do Juiz de Paz.

De destacar que se pode recorrer da sentença do Juiz de Paz para um Tribunal Judicial, desde que o valor da acção seja superior a € 1.870,49.
O prazo médio para a resolução de um conflito é de cerca de um mês e meio, o que dá a ideia de celeridade.
A título de informação, os Julgados de Paz actualmente existentes são os que seguem: o de Coimbra, Lisboa, Miranda do Corvo, Porto, Seixal, Sintra, e Trofa.
Depois temos os Julgados de Paz de agrupamentos de Concelhos como os de Aguiar da Beira e Trancoso, o de Cantanhede, Mira e Montemor-o-Velho, o de Oliveira do Bairro, Águeda, Anadia e Mealhada, o de Santa Maria de Penaguião, Alijó, Murça, Peso da Régua, Sabrosa e Vila Real, o de Tarouca, Armamar, Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira e Resende, e o do Concelho de Terras de Bouro, Vila Nova de Gaia e Vila Nova de Poiares.
Fica então a pergunta: porque não recorrer aos Julgados de Paz?!

Coimbra, 01 de Agosto de 2006
Alice Conde
Jurista

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Prescrição...

Prescrição, prescrição só em Braga e... por um canudo!


No dia 26 de Maio do presente ano, foi publicada uma notícia no Jornal “Tal & Qual”, segundo a qual a empresa de distribuição de água - Agere -, de Braga, decidiu cobrar aos consumidores dívidas que remontam a 1995 e que correspondem a quantias da ordem dos 150 mil euros.

Os consumidores, por sua vez, recusam-se a pagar as quantias em dívida, alegando para tal que já prescreveram e invocando o artigo 10.º da Lei n.º 23/96 de 26 de Julho, que à prescrição se reporta.

A Agere, por seu lado, invoca que tais dívidas se mantêm e que são exigíveis, já que os consumidores não pagaram os seus consumos.

Tendo presente os factos, cumpre emitir os seguintes esclarecimentos legais:

Existe aqui uma prestação de serviços públicos essenciais, os quais são regulados pela Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, que consagra uma série de mecanismos destinados a proteger o consumidor / utente de serviços públicos, os quais, segundo o diploma, se cingem ao fornecimento de água, de gás e de energia eléctrica, após a exclusão das telecomunicações, móveis e fixas.

O consumidor em vista é “a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo”. O consumidor, neste passo referenciado, exorbita do que o artigo 2.º n.º 1 da Lei do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) consagra: “é todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.

Segundo a Lei 23/96, ou Lei dos Serviços Públicos Essenciais, o “prestador do serviço deve proceder de boa-fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger”.

Além de que há um especial dever de informação que impende sobre o prestador de serviços, o qual deve prestar todas as informações sobre as condições em que o serviço é fornecido.

O problema da cobrança indevida por parte da Agere prende-se com um problema de interpretação sobre a natureza da prescrição prevista no n.º 1 do artigo 10.º, que especifica que “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.

Se, por um lado, a prescrição para os consumidores da Agere tem natureza liberatória, para a administração da Agere, a prescrição tem uma natureza presuntiva, interpretação que faz toda a diferença.

Perante isto, cumpre fazer a distinção entre estas figuras.

A prescrição liberatória (ou negativa) “é uma forma de extinção de um direito pelo seu não exercício por um dado lapso de tempo fixado na lei, e variável de caso para caso”, segundo os ensinamentos de Ana Prata, in Dicionário Jurídico.

Ou, em outras palavras, é aquela que é destinada essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor - Manuel de Andrade, in Teoria Geral, II, pág. 452.

A prescrição presuntiva é aquela “em que as obrigações a que se refere costumam ser pagar em prazo bastante curto e que não é costume exigir quitação do seu pagamento”, conforme Vaz Serra, in RLJ, 109.º - 246.º.

Perante a diferenciação das figuras, podemos entender os motivos que levam a que o advogado da Agere invoque que as dívidas dos seus utentes não estão vencidas, só assim acontecendo “se o pagamento não for exigido quando a factura não é paga”, o que foi feito na altura, acrescentando que “se assim não fosse, qualquer cidadão deixaria de pagar e, ao fim de seis meses, fazia novo contrato sem que nada lhe sucedesse”.

De facto, para a administração da Agere a apresentação da factura interpela o consumidor/utente a pagar, e se isso não acontecer cabe à Empresa provar que efectivamente esse pagamento não foi realizado, conforme o artigo 344.º n.º 1 do Código Civil: cabe ao credor provar que o crédito não foi satisfeito.

Entende a mesma que o artigo 10.º n.º 1 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais se refere apenas à apresentação das facturas correspondentes ao serviço prestado.

Este entendimento das coisas já foi adoptado pela nossa jurisprudência, destacando-se o Acórdão da Relação do Porto, de 28 de Junho de 1999, onde se diz que a prescrição do artigo 10.º da Lei n.º 23/96 é presuntiva, e assim, provando-se que o devedor não pagou, este terá de satisfazer o seu crédito ao credor, podendo somar-se os juros de mora.

Este acórdão, por sua vez, foi objecto de um parecer do Prof. Calvão da Silva, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que deitou por terra quase todos os argumentos utilizados pelo citado Tribunal.

Este entendimento é também o do Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 10-12-2003, definiu que “é de seis meses o prazo da prescrição extintiva e liberatória que a nova lei, a Lei n.º 23/96, artigo 10.º n.º 1, de 26.07, estabelece agora para o credor da prestação de serviços públicos essenciais, como o são os serviços de fornecimento de água, gás e telefone, exercer o direito de exigir o pagamento do preço daquele serviço”.

Segundo este Professor e o entendimento que deve ser adoptado do artigo 10.º da Lei referida, é o de que a prescrição tem natureza liberatória.

Assim, “ao declarar que prescreve o crédito, a nova lei não pretende somente estabelecer uma presunção de pagamento, mas determinar que a obrigação civil se extingue subsistindo a cargo do devedor apenas uma obrigação natural”. Em rigor, “a obrigação não se extingue, mas somente o meio de exigir o seu cumprimento e execução (...)”.

Pelo que, se a obrigação de pagar as facturas da água não for voluntariamente cumprida, o direito de exigir judicialmente o pagamento do preço deixa de existir.

Para além disto, o prazo de seis meses vem substituir o de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea g) do Código Civil, que diz que prescrevem no prazo de cinco anos “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.

Este prazo de prescrição tem uma natureza liberatória, fazendo extinguir a obrigação a que se encontra ligado, e convertendo-a em obrigação natural. Tal prazo tem como fundamento evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos.

Os consumidores de água de Braga podem recusar-se fundadamente ao pagamento das dívidas e opor-se ao exercício dos direitos prescritos, pois o que subsiste apenas é uma obrigação natural, cujo cumprimento não é judicialmente exigível.

Além disso, o prazo de seis meses da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, o que equivale a dizer que se torna exigível no termo de cada um dos períodos a que corresponde uma factura autónoma.

Calvão da Silva acrescenta que no n.º 1 do artigo 10.º deveria ler-se, depois do que já foi explanado:

“O direito de exigir judicialmente o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação mensal, data da exigibilidade da obrigação e da possibilidade de exercício do direito”.

Por fim, há que acentuar que a figura da prescrição é um instrumento que faz jus ao Princípio da Protecção dos Interesses Económicos do Consumidor, que nos surge no artigo 9.º n.º 1 , onde se lê:

“O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos”.

Além de que o Governo deve “adoptar medidas adequadas a assegurar o equilíbrio das relações jurídicas que tenham por objecto bens e serviços essenciais, designadamente água, energia eléctrica, gás, telecomunicações e transportes públicos”, conforme o artigo 9.º n.º 8 da Lei do Consumidor.

Concluindo: a prescrição prevista no artigo 10.º é liberatória e os utentes de consumo de água da Agere não devem pagar qualquer quantia à empresa, já que as dívidas cujo pagamento exige, não podem ser judicialmente exigíveis.

Se o forem, cabe ao consumidor arguir na contestação a excepção de que se trata (vide, artigo 489.º do Código de Processo Civil), já que o juiz não pode suprir de ofício a prescrição, consoante o artigo 303.º do Código Civil, que diz:

“O tribunal não pode suprir, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”.

Se o consumidor não invocar a excepção, que leva à absolvição do pedido, por muito estranho que pareça, vai ser coagido a pagar. O que é um contra-senso...


Alice Conde
Julho.2006