sábado, 1 de setembro de 2007

Nova Lei da Imigração

Governo aprova Regulamentação para Nova Lei da Imigração


O Governo aprovou, em reunião de conselho de ministros, a legislação que regulamenta a nova Lei da Imigração, em vigor desde o passado dia 3 de Agosto. Com o diploma pretende-se criar mecanismos mais simples e céleres de apreciação e decisão dos pedidos, bem como canais que facilitam os fluxos de informação entre serviços.

O decreto-regulamentar agora aprovado refere alterações relevantes relativas ao mercado de trabalho, aos procedimentos que facilitam o acesso e a circulação de pessoal técnico, investigadores, professores, cientistas e estudantes, bem como os respeitantes ao reagrupamento familiar, à protecção das vítimas de tráfico e às garantias de audição e defesa dos imigrantes.

No domínio da admissão e residência de estrangeiros em território nacional, é adoptado um único tipo de visto, no lugar dos nove anteriormente existentes, concedido de acordo com os objectivos específicos de exercício de actividade profissional subordinada ou independente; actividade de investigação, actividade docente em estabelecimento de ensino superior ou altamente qualificada; exercício de actividade desportiva amadora; e reagrupamento familiar e estudos.

Do mesmo modo, regulamenta-se o regime jurídico para a imigração meramente temporária, através do visto de estada temporária para o exercício de actividade sazonal e um regime de concessão de vistos para imigrantes empreendedores.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Sobre as comissões bancárias (por Alice Conde)

Comissões especiais


Para o normal processamento de uma relação contratual é necessário que sejam observados certos deveres, os quais se correlacionam com a entrega da coisa vendida; com a entrega do preço ou com a realização de uma actividade, definindo, deste modo, o tipo de relação existente. Além destes existem também aqueles onde cabem os deveres de informação, de comunicação, de esclarecimento, que têm por fim assegurar o efectivo cumprimento da prestação e garantir que esta se processe de modo útil e satisfatório.

Por sua vez, estes deveres reconduzem-se, na sua maioria, ao dever geral da boa fé, que se encontra previsto em diversos artigos do Código Civil, como por exemplo, no artigo 762.º onde se diz no n.º 2:

No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.

No âmbito do direito do consumo, mais especificamente na Lei do Consumidor, encontramos também plasmado o dever da boa fé, no artigo 9.º n.º 1 que diz que “o consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos

O dever de informação é, de entre estes deveres, aquele que mais se destaca pela sua importância, devendo ser observado com especial acuidade, na fase pré-contratual. Aqui, as partes devem ter uma conduta honesta e leal uma com a outra, devendo sempre respeitar o princípio basilar da boa fé.

Este dever, por sua vez, encontra-se no artigo 8.º n.º 1 da Lei do Consumidor que compila:

O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico”.


É na fase pré-contratual que uma das partes deve comunicar à outra certos elementos essenciais para a celebração do futuro contrato, orientando a sua conduta pelo princípio da liberdade contratual , que se encontra previsto, entre nós, no artigo 405.º do Código Civil, que compila no n.º 1:

Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.

Um afloramento deste princípio é encontrado de igual modo no direito do consumo. Diz-se no artigo 9.º n.º 6 da Lei do Consumidor:

É vedado ao fornecedor ou prestador de serviços fazer depender o fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço da aquisição ou da prestação de um outro ou outros”.

No âmbito dos contratos de consumo, temo-nos vindo a deparar com a crescente composição dos mesmos com o recurso a cláusulas “imperativas”, ou cláusulas essenciais para a vida dos mesmos.

Tal como diz o Professor Carlos Ferreira de Almeida, in “Direito do Consumo”, pág. 124, quer-se com essas cláusulas “melhorar a consciência efectiva e a memória dos termos do acordo, tanto no que respeita à determinação precisa e completa dos seus objectivos (bem de consumo e preço), como no que respeita a outras cláusulas relativas às circunstâncias do cumprimento e incumprimento das prestações”, “facilitar a prova e aumentar a probabilidade de êxito no exercício de pretensões pelo consumidor”.

Esta tendência deve-se à crescente estandardização dos contratos de adesão, que passaram a constituir o instrumento, por excelência, da prática negocial. Aqui, em princípio, as cláusulas contratuais já se encontram predispostas, sem possibilidade de negociação entre as partes, e onde uma delas tem apenas que aderir ao modelo negocial.

Esta é a realidade dos contratos bancários, os quais lançam mão deste instrumento habitualmente, e onde é prática comum a estipulação de elementos essenciais que deles devem constar.

Por causa disso, é necessário que as partes, na fase pré-contratual, se pautem pelos princípios da boa fé contratual, da honestidade e da lealdade, de modo a prevenir abusos de direito que possam vir a surgir.

Assim, podemos encontrar em vários normativos, a estipulação do dever de informação a prestar pelos bancos. Desde logo e à cabeça temos o artigo 75.º do Regime Geral das Instituições Financeiras que diz assim no n.º 1:

As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.

Também o Aviso do Banco de Portugal n.º 1/95, de 17 de Fevereiro, vai no mesmo sentido ao dispor no artigo 1.º:

Todas as instituições de crédito e todas as sociedades financeiras, a seguir designadas por instituições, devem manter disponíveis, em todos os balcões, em local de acesso directo e bem identificado, em linguagem clara e de fácil entendimento, informações permanentemente actualizadas das condições gerais com efeitos patrimoniais de realização das operações e dos serviços correntemente oferecidos”.

E, bem assim, também o artigo 3.º do mesmo aviso que estipula que: “são, designadamente, relevantes para efeitos deste aviso as informações relativas a taxas de juro, impostos, comissões, prémios de transferência, portes, despesas de expediente e datas-valor das operações”.

Além deste aviso, muitos outros podiam ser invocados, destacando-se para este efeito os Avisos n.ºs 4/2000, 5/2000, 11/2001 e 6/2002. Também o Decreto-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto e o Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro são deveras importantes em termos do dever de informação.

A Lei do Consumidor reitera o que foi dito no artigo 8.º n.º 1 acima citado.

Assim, “o fornecedor de bens ou o prestador de serviços que viole o dever de informar responde pelos danos que causar ao consumidor, sendo solidariamente responsáveis os demais intervenientes na cadeia da produção à distribuição que hajam igualmente violado o dever de informação”- artigo 8.º n.º 5 da lei do Consumidor.

Ora, como já foi dito, na fase pré-contratual, as partes têm de cumprir certos deveres, os quais se analisam no dever de informação, de comunicação e de esclarecimento.

Deste modo, caso uma instituição financeira não informe ou, não informe devidamente, o seu cliente das comissões e demais custos de serviços, incorre em responsabilidade pré-contratual, ou responsabilidade “in contrahendo” como também é designada.

Isso porque na fase das negociações, criam-se entre as partes, especiais deveres de lealdade, de informação e de esclarecimento, dignos de tutela do direito.

Deste modo, o nosso Código Civil prevê no artigo 227.º/1 o seguinte:

Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boá fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

O que acaba de ser dito é encontrado também na Lei do Consumidor, no artigo 9.º n.º 1, por nós já mencionado.

Quer-se com este normativo, responsabilizar a parte culpada pela perda patrimonial que a parte lesada sofreu, e que esta não teria tido “se não fosse a expectativa na conclusão do contrato frustrado ou a vantagem que não alcançou por causa da mesma expectativa gorada”, nos dizeres de Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”.

Portanto, cabe às instituições bancárias informar devidamente o cliente, de modo a não frustrar as expectativas dos clientes-consumidores, sob pena de responderem pelos prejuízos que vierem a causar - artigo 12.º n.º 1 da Lei do Consumidor.

Alice Conde


domingo, 1 de julho de 2007

Lei do Tabaco aprovada esta semana


O Parlamento aprovou esta semana a nova lei do tabaco, que deve entrar em vigor no próximo mês de Janeiro. A legislação determina restrições aos fumadores em locais públicos, como a proibição do fumo no trabalho, estabelecimentos de ensino ou parques de estacionamento cobertos.

A limitação de espaços para fumadores e não fumadores nos restaurantes, bares e discotecas com mais de 100 m2 é também estabelecida pelo novo diploma, que permite a definição de zonas de fumo com áreas máximas de 30% ou 40%, consoante a sala for aberta ou fechada. Já os estabelecimentos com menos de 100 m2 têm de decidir se são exclusivamente locais que autorizam o fumo ou não.

A nova legislação prevê igualmente os montantes das coima a aplicar em caso de contra-ordenação. Os fumadores que transgridam as normas podem ser obrigados a pagar entre 50 e 750 euros, enquanto as empresas vão estar sujeitas a multas de 50 a mil euros.
Fonte: Portal do Cidadão

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Cuidados com os bronzeadores... (Por Alice Conde)



Não existem protectores solares 100% seguros e eficazes, daí que a Comissão Europeia houvesse considerado importante chamar a atenção para o facto de os rótulos das embalagens dos protectores solares serem enganadores e confusos, já que são neles utilizadas expressões como “100% anti UVA/UVB/IR”, “espetro de absorção UVB 30/UVA 30”, 25 B”, “7 A”, entre outros, incompreensíveis para a grande parte dos consumidores.

Isto acontece porque os fabricantes de tais produtos utilizam cada um de per si um método próprio para medir e indicar o índice de protecção. Ora, o que a Comissão pretende é que os rótulos contenham “avisos claros e compreensíveis, bem como instruções igualmente compreensíveis, para que o consumidor saiba como utilizar correctamente o produto”. Além disso, devem constar de tais embalagens informações sobre as radiações UVA que geralmente não são indicadas, e são elas que provocam o envelhecimento prematuro da pele, problemas no sistema imunitário e o aumento do risco de cancro cutâneo.

Por causa disso, a Comissão pretende que dos rótulos constem os níveis de protecção contra os raios UV em termos uniformes, com base em ensaios normalizados, idênticos entre todos os fabricantes.

O Decreto-Lei n.º 142/2005, de 24 de Agosto, prevê certas regras relativas aos produtos cosméticos, entre elas o princípio da verdade, estipulando no artigo 11.º n.º1 que: “A rotulagem, a apresentação, os impressos e os folhetos respeitantes aos produtos cosméticos, bem como o texto, as denominações de venda, e as menções publicitárias não devem ser susceptíveis de induzir o consumidor em erro sobre as suas características ou ser utilizados para atribuir qualidades ou propriedades que não possuem ou que produtos cosméticos não podem possuir, designadamente indicações terapêuticas ou actividade biocida”.

O Código da Publicidade vai no mesmo sentido, ao estabelecer no artigo 11.º n.º 1, que a publicidade seja enganosa, determinando-se que “é proibida toda a publicidade que, por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, e devido ao seu carácter enganador, induza ou seja susceptível de induzir em erro os seus destinatários, independentemente de lhes causar qualquer prejuízo económico, ou que possa prejudicar um concorrente”.

Não esquecer também a Lei do Consumidor que provê ao direito a protecção da saúde e da segurança física do consumidor no seu artigo 5.º n.º 1.

Deste modo, e tendo em conta que o sistema de rotulagem que se quer ver imposto ainda está a ser acordado entre a Comissão e os fabricantes, fazendo com que o sistema não entre em vigor antes de 2007, cumpre alertar os consumidores para o perigo das radiações solares, devendo escolher bronzeadores com protecção contra as radiações UVA e UVB.

Além disso, devem tomar outras medidas como evitar longas exposições ao sol, utilizar camisolas, chapéus, óculos de sol, e ter, sobretudo, um especial cuidado com as crianças.
Por:
Alice Conde
Jurista

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Sobre Direitos de Autor e Direitos conexos

Sobre os direitos de autor e direitos conexos: mais uma vez a responsabilidade do Estado

Desde há muito que a SPA (Sociedade Portuguesa dos Autores), a despeito de pareceres e jurisprudência que desde o princípio negam a admissibilidade de uma tal pretensão, se vem arrogando no direito de exigir dos proprietários de bares, cafés e estabelecimentos de restauração (que mantêm aparelhos de rádio e televisão ligados e com acesso aos seus clientes) uma certa soma pecuniária a título de pagamento de direitos de autor.

A legitimidade da SPA adviria do facto de nas rádios e televisões serem recebidas obras de autores por essa entidade representados.

Fundamenta-se a SPA numa falsa interpretação da lei. Destarte, estabelecem os n.os 1 e 2 do artigo 149.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, respectivamente, que «depende de autorização do autor a radiodifusão sonora ou visual da obra, tanto directa como por retransmissão, por qualquer modo obtida», «depende igualmente de autorização a comunicação da obra em qualquer lugar público, por qualquer meio que sirva para difundir sinais, sons ou imagens». Acresce a isso o disposto no artigo 155.º do mesmo diploma legal, nos termos do qual: «é devida igualmente remuneração ao autor pela comunicação pública da obra radiodifundida por altifalante ou por qualquer instrumento análogo transmissor de sinais, de sons ou de imagens». O desrespeito por estes normativos configura violação dos direitos de autor, preenchendo o tipo legal do crime de usurpação previsto no artigo 197.º do CDADC, cujo n.º 1 prescreve: «comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, da produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código», incorrendo na moldura do artigo 197.º do mesmo Código.

A este propósito, prescreve o artigo 11-Bis da Convenção de Berna:
«1 – Os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar:
1.º A rádiodifusão das suas obras ou a comunicação pública dessas obras por qualquer outro meio que sirva à difusão sem fio dos sinais, sons ou imagens;
2.º Qualquer comunicação pública, quer por fio, quer sem fio, da obra radiodifundida, quando essa comunicação seja feita por outro organismo que não o de origem;
3.º A comunicação pública, por alto-falante ou por qualquer outro instrumento análogo transmissor de sinais, sons ou imagens, da obra radiodifundida
».

Proibida encontra-se, conforme resulta do exposto, a comunicação pública da obra radiodifundida, sendo que é a desobediência a esta proibição que dá lugar ao pagamento dos direitos e à prática do crime de usurpação. Mas é precisamente aqui que reside toda a problemática, cabendo delinear em termos muito precisos o conceito de comunicação pública.
Segundo a noção oferecida pelo Gabinete do Direito de Autor do Ministério da Cultura, é comunicação pública a execução de uma obra num local público, fora do círculo familiar ou de um grupo de amigos e pessoas das relações do autor da execução. Não se pode menosprezar a distinção entre execução e mera recepção de obra, já que, no primeiro caso, estamos perante uma conduta activa, enquanto a recepção, pode dizer-se, se consubstancia numa conduta passiva.

Em resposta a um proprietário de um clube de ténis, a SPA refere que o Parecer n.º 4/92 da Procuradoria-Geral da República (que negou a necessidade de autorização para estes casos) não alterou as disposições legais em vigor (o que é óbvio, dado que um parecer não se presta a este objectivo, mas tão só o de oferecer a correcta interpretação da legislação para um específico caso) e que, não vinculando os tribunais, estes, na sua maioria (o que, é importante dizer, não corresponde à verdade), não têm dado acolhimento à tese no seu seio defendida. Verifica-se ainda que o estabelecimento em causa, efectivamente, comunica programas televisivos e difunde música ambiente, «sendo irrelevante para o caso se a mesma provém de rádio ou de fonogramas», devendo por fonograma entender-se o registo sonoro em suporte material como, por exemplo, discos (usuais ou compactos), fitas magnéticas, etc.

Não é realmente indiferente o facto de a obra protegida provir de rádio (ou televisão) ou de fonogramas. Isso porque, como já se salientou, devemos fazer uma distinção entre as condutas dos estabelecimentos deste tipo entre passivas e activas. No caso da obra recebida por aparelhos de rádio e/ou televisão, o proprietário do estabelecimento encontra-se numa posição passiva, uma vez que não pode controlar o conteúdo da emissão. Diferente é o caso da reprodução de um fonograma, caso em que a conduta passa a dever ser considerada como activa, conduta esta traduzida numa reutilização da obra com total controle pelo seu conteúdo.

Na verdade, os hotéis, bares, restaurantes e estabelecimentos similares devem ser considerados como locais públicos (assim como se infere do n.º 3 do artigo 149.º do CDADC) e, ao serem reproduzidas (executadas) nesses locais obras fixadas em suporte material, a atitude passa a poder ser qualificada como de comunicação pública não autorizada, neste caso sim, e apenas nele, ficando o proprietário responsável pelo pagamento dos direitos de autor e podendo, inclusive, responder pelo crime de usurpação.

No outro caso a solução já não é a mesma. Aqui, para a obra estar a ser objecto de transmissão ou retransmissão por ondas de rádio ou por cabo, é porque a comunicação pública foi prévia e devidamente autorizada.

É preciso notar que a obra assim difundida é destinada a um número indeterminado de sujeitos, e que pela referida autorização o autor já deve ter recebido (ou até pagou) uma qualquer quantia proporcional ao número de espectadores, pelo que é contrário ao direito pretender receber uma segunda vez daqueles a quem, ao fim e ao cabo, são destinadas as emissões de rádio e televisão. Uma tal atitude configura um «venire contra factum proprium» e, como tal, é proibido pelo sistema.

As dúvidas sobre a matéria perdurarão até que o Estado tenha o bom senso de esclarecer a matéria, através de uma cuidada intervenção legislativa que consagre aquilo que ficou dito, sendo responsável por todos os danos morais e patrimoniais resultantes dessa situação de incerteza e insegurança que, por sua vez, derivam da omissão legislativa do Estado.

José Eduardo D. R. da R. Frota
Jurista

terça-feira, 15 de maio de 2007

O Estado que responda por omissão legislativa : o caso Aquaparque


A Lei do Consumidor, em seu artigo 5.º, estabelece: «é proibido o fornecimento de bens ou a prestação de serviços que, em condições de uso normal ou previsível, incluindo a duração, impliquem riscos incompatíveis com a sua utilização, não aceitáveis de acordo com um nível elevado de protecção da saúde e da segurança física das pessoas». Trata-se, na verdade, apenas de uma reconstrução plástica do normativo constante do n.º 1 do art. 60.º da Constituição, nos termos do qual «os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos».

Não estamos aqui perante uma norma constitucional meramente programática, mas, pelo contrário, perante uma norma de aplicação directa, pois que inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias fundamentais e, nestes termos, como, de resto, resulta do n.º 1 do art. 18.º do Texto Fundamental, vincula directamente as entidades públicas e privadas.

Não significa isso, porém, que tais normas não careçam de qualquer concretização legislativa, ou seja, da aplicabilidade directa de tais normas não resulta que o legislador possa eximir-se a oferecer regulamentação adequada para determinados sectores da economia, de modo a fixar os requisitos necessários para que um bem (produto ou serviço) possa ser considerado de qualidade e seguro e, como tal, não colocando em perigo a saúde e a integridade física dos consumidores.

A não ser assim, escusando-se o Estado a fixar essa disciplina normativa específica, incorre em responsabilidade civil por omissão legislativa, assim como se pode concluir da letra de art. 22.º do Texto Constitucional, segundo o qual «o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem

A correcta interpretação desse preceito suscitou grandes dúvidas por ocasião da discussão do caso do Aquaparque do Restelo, entendendo alguns juristas de renome que o Estado apenas poderia responder por indemnização fundada na responsabilidade por acções e omissões praticadas no exercício da função administrativa e nunca pelas praticadas pelo poder legislativo, uma vez que, neste caso, faltaria o nexo de causalidade entre a omissão legislativa e o evento danoso. Não entendeu assim, e acertadamente — numa atitude corajosa, mas consequente —, a Juiz Anabela Luna de Carvalho, tendo condenado o Estado no pagamento de uma “vultuosa” quantia aos pais de uma das vítimas: 120 000 contos, ao tempo. Posição que o Tribunal da Relação de Lisboa manteve, se bem que reduzindo o montante da indemnização a metade do valor arbitrado na primeira instância.

O Estado deve realmente ser responsabilizado pelo mau exercício das suas funções, incluindo a legislativa e a judiciária.

É ao Estado que incumbe impor as regras a que devem estar sujeitos os empreendimentos turísticos, como parques aquáticos e quaisquer outros, de modo a proteger a saúde e a integridade física daqueles que os frequentam.

E é com base nesse entendimento que foi recentemente aprovado pela Assembleia da República o Projecto de Lei n.º 148/IX (Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado) — que revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967 —, onde se estabelecem expressamente os pressupostos da responsabilização do Estado pelas acções e omissões praticadas no exercício das funções administrativa, judiciária e legislativa.

É preciso regulamentar coerentemente os diversos sectores e respectivos subsectores da actividade económica. O Direito do Turismo é um deles… um sector cuja legislação é parca, dispersa e confusa (assim como resultou das conclusões da I Conferência Nacional de Direito do Turismo, que teve lugar no CAE da Figueira da Foz a 9 e 10 de Fevereiro transacto). Não se pode alegar que o Estado desconheça essa necessidade, sendo um dos (e, talvez, o principal) responsáveis pelas crescentes perdas que, de ano para ano, se vêm verificando nesse importante sector da economia portuguesa.

A qualidade dos serviços prestados no território nacional não deve (nem pode) ser descurada. Sendo factor decisivo da própria segurança, também passa por cada um e todos os que trabalham no ramo. Se persistir a política de «o cliente nunca tem razão», a imagem do país continuará a desvanecer-se além fronteiras, fazendo com que os turistas se não sintam incentivados a retornar. Prejudicada fica, assim, também, consequentemente, a mais eficaz de todas as publicidades que é a do «boca a boca».

É preciso, em suma, estabelecer-se um regime legal específico que contemple o consumidor turista (ou o turista consumidor): um regime que leve em conta os mais diversos serviços, quer públicos, quer privados.

Não se pode descurar que, no caso do turismo, o produto consumido é Portugal e qualquer vício, seja dos lugares que lhes são especialmente destinados, seja dos serviços mais gerais como polícia, saúde, estradas, etc., deverá ser considerado como defeito do produto, deste modo podendo o consumidor turista exigir o ressarcimento de tudo o que prestou.



José Eduardo D. R. da R. Frota
Jurista

sábado, 12 de maio de 2007

Aquisição de prédio arrendado...(Por Alice Conde)

A aquisição do prédio arrendado pelo arrendatário... em que moldes?!



O Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, prevê no artigo 48.º n.º 4, alínea c) a possibilidade de o arrendatário poder vir a adquirir o prédio arrendado, mandando aplicar, para tal, legislação complementar.

Determina assim a alínea c) do n.º 4 do artigo 48.º:

“Não dando o senhorio inicío às obras, pode o arrendatário:
c) comprar o locado pelo valor da avaliação feita nos termos do CIMI, com obrigação de realização das obras, sob pena de reversão”.

A legislação complementar surgiu com a publicação do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto (que entra em vigor dia 8 de Setembro do ano em curso) contemplando o Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, também desigando RJOPA.

No que concerne à possibilidade de o arrendatário adquirir o prédio arrendado, há que esclarecer o seguinte:

Quando o locado (prédio arrendado) apresente um estado de conservação mau ou péssimo, o arrendatário pode reabilitá-lo, podendo vir a adquirir o locado.

Para isso é necessário que se reúnam dois requisitos comulativos, previstos no artigo 35.º n.º 1 do DL:

“a) o senhorio, a tal intimado, não tenha iniciado as obras dentro do prazo de seis meses ou tenha declarado não o pretender fazer dentro desse prazo;
b) o arrendatário tenha soliciatdo ao município competente a realização de obras coercivas, nos termos do n.º 2 do artigo 30.º, sem que este as tenha iniciado no prazo de seis meses”.

Além desta possibilidade, o arrendatário pode ainda adquirir o prédio arrendado “no caso de o senhorio ou o muncicío terem suspendido a execução de obras anteriormente iniciadas nos termos das alíneas do número anterior e não as tenha retomado no prazo de 90 dias a contar da suspensão, desde que o arrendatário tenha posteriormente intimado ao seu reinício em prazo não superior a 30 dias”, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º.

Assim, se o município e o arrendador não derem inicío às obras decorridos 3 anos a contar do final dos 6 meses, pode o arrendatário interpor acção de aquisição no foro da situação do locado.

A acção deve ser proposta contra o arrendador e ainda, quando este não seja a mesma pessoa, contra o proprietário, superficiário ou usufrutuário, conforme o prescrito no artigo 37.º do DL em epígrafe.

A sentença de provimento tem como efeito a transmissão da propriedade do arrendador para o arrendatário, sendo apenas proferida quando se mostrar que o preço foi integralmente pago e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão. A sentença declara ainda o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, referindo também a obrigação de reabilitação e manutenção que recaeim sobre o arrendatário-adquirente pelo lapso correspondente.

Estas últimas obrigações - de reabilitação e manutenção - deverão ser iniciadas no prazo de 120 dias a contar da aquisição. Além disso, deve o arrendatário-adquirente manter o prédio arrendado em estado de conservação médio ou superior durante os 20 anos subsequentes à aquisição (artigo 39.º do DL).

De notar que se o arrendatário-adquirente não cumprir com a sua obrigação de reabilitação e manutenção, o anterior proprietário tem direito à reaquisição do prédio pelo mesmo preço, através de acção judicial (artigo 40.º).

Além disso, pode-se aqui fazer uma distinção relevante entre a aquisição de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios não constituídos em propriedade horizontal.

No primeiro caso, o arrendatário pode adquirir a fracção autónoma arrendada, mas se as obras necessárias à reabilitação do prédio incidirem sobre outras fracções autónomas ou mesmo sobre as partes comuns do prédio, o arrendatário pode vir a adquirir todas as fracções necessárias à realização da obra, podendo vir a adquirir a totalidade das fracções.

Por óbvio que, na contestação, o titular de cada fracção, pode vir a manifestar-se interessado em participar nas obras, caso em que o arrendatário não poderá adquirir a sua propriedade.

No caso de estarmos perante prédios não constituídos em propriedade horizontal, o arrendatário pode adquirir a totalidade do prédio. Na acção de aquisição, o arrendatário pode em alternativa invocar o seguinte:
• solicitar ao tribunal a constituição judicial da propriedade horizontal, adquirindo a propriedade em relação à fracção autónoma que vier a corresponder ao locado;
• solicitar ao tribunal a constituição judicial da propriedade horizontal, adquirindo a propriedade relativamente à fracção autónoma que vier a corresponder ao locado e ainda as fracções necessárias à realização da obra (artigo 43.º).

E é assim que se configura, em termos muito resumidos, o regime das obras em prédios arrendados, agora com esta novidade de o arrendatário poder adquirir o locado.

Facto que é contestado pelas associações de proprietários que consideram materialmente inconstitucional ao ofender o direito de propriedade que o Texto Fundamental reconhece iniludivelmente.

O Governo, por seu turno, diz não se estar perante qualquer inconstitucionalidade por expropriação particular, antes considera que se trata de uma manifestação da função social da propriedade que nos arrendatários acaba por radicar, já que a lei lhes confere tal faculdade.

O caso é duvidoso e controvertido.

O que vai obrigar o Tribunal Constitucional a intervir sempre que situações deste tipo (acção para aquisição do locado) se suscitar perante os tribunais cíveis.


Alice Conde

segunda-feira, 30 de abril de 2007

Afixação de preços...(Por Alice Conde)

Não afixar os preços é ilegal...


Uma prática que costuma ser observada – e não devia sê-lo – é a da não afixação dos preços dos bens e dos serviços de consumo.
No entanto, é importante lembrar que “todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respectivo preço de venda ao consumidor”, tal como determina o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 162/99, de 13 de Maio.
Também os géneros alimentícios e os produtos não alimentares devem conter o preço por unidade de medida, prática frequentemente “esquecida” por diversas superfícies comerciais.
O preço, por sua vez, refere-se ao valor total em moeda com curso legal no país (no caso, em euros), devendo incluir todos os impostos, taxas ou outros encargos, de modo a que o consumidor tenha pleno conhecimento do que em rigor tem de pagar, e nada mais.
A indicação dos preços de venda e por unidade de medida deve ser feita em dígitos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, por forma a alcançar-se a melhor informação para o consumidor”, como prescreve o artigo 5.º do diploma citado.
Tal indicação de preços deve ser feita próxima do bem a que se refere ou no local em que a prestação do serviço seja efectuada, devendo também ser indicado o preço a pronto pagamento.
Quando a venda seja efectuada em conjunto, deve ser indicado o preço total, o número de peças e, quando seja possível adquirir as peças isoladamente, o preço de cada uma delas.
Situação que não costuma ser respeitada é a da afixação de preços nas montras e vitrinas, onde os bens devem até ser objecto de uma marcação complementar quando as respectivas etiquetas não sejam perfeitamente visíveis, tal como se estabelece no artigo 8.º do citado diploma legal.
Relativamente aos preços dos serviços em particular, devem estes “constar de listas ou cartazes afixados, de forma visível, no lugar onde os serviços são propostos ou prestados ao consumidor (...)”, tal como se estabelece no artigo 10.º.
No caso de o serviço ser prestado à hora, à percentagem, à tarefa ou segundo qualquer outro critério, “os preços devem ser sempre indicados com referência ao critério utilizado”. Se houver taxas de deslocação ou outras previamente estabelecidas, “devem as mesmas estar indicadas especificamente”.
É também obrigatória a afixação de preços nos serviços seguintes: cabeleireiros e barbeiros, garagens, postos de gasolina e oficinas de reparações, lavandarias, estabelecimentos de limpeza a seco e tinturarias, reparação de calçado, estabelecimentos de electricistas, hotéis e estabelecimentos similares, consultórios médicos, escritórios de advogados, entre outros.
Relativamente à publicidade, quando esta mencione preços de bens ou serviços, deve “indicar de forma clara e perfeitamente visível o preço total”, conforme o disposto no artigo 6.º.
Na altura de saldos e vendas com redução do preço, como a que transcorre, a afixação dos preços deve conter o preço praticado nessa ocasião e devendo ser também referenciado o preço praticado em épocas normais.
No que respeita aos estabelecimentos de restauração e de bebidas em particular, onde a afixação de preços também não é respeitada, deve dizer-se que de análogo modo é obrigatória, devendo os preços ser objecto de revelação em local perfeitamente visível, e de forma clara e bem legível em uma tabela onde devem ser incluídas as condições de prestação de serviços, conforme consta do artigo 1.º da Portaria n.º 262/2000, de 13 de Maio.
A ausência de fixação de preços é uma prática ilegal. As cominações para a não afixação dos preços (o que corresponde a um ilícito de mera ordenação) representa coimas de valor variável, como segue:
• Pessoas Singulares: de 249.40 euros a 3.740.99 euros.
• Sociedades Comerciais: de 2.493.99 euros a 299.927.88 euros.
A não correspondência (para mais) entre o preço anunciado e o preço praticado constitui crime de especulação, cuja moldura é a do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, como segue:
1. Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:
a) Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
b) Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;
c) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaboradas pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;
d) Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionados
”.
A não afixação de preços deve ser denunciada à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, a qual deve lavrar os autos respeitantes às contra-ordenações advindas da falta de cumprimento do disposto no DL n.º 138/90 e portarias conexas.
É que tal ausência dificulta ao consumidor a comparação de preços e viola o dever de informação que deve ser prestado pelos fornecedores de bens e prestadores de serviços. Este dever encontra-se plasmado no artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, também designada de Lei do Consumidor.
Quando o dever de informação não seja observado, ou seja prestada uma informação insuficiente, ilegível ou ambígua, o consumidor goza do direito de retractação do contrato, nos termos do artigo 8.º n.º 5 da Lei do Consumidor.
Por fim, de alertar os consumidores que perante uma situação de ausência de afixação de preços, além de poderem denunciar tal facto à ASAE, podem também lavrar o seu protesto no livro de reclamações respectivo.

Alice Conde

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Alice Conde

- Há que se dizer a verdade, pois então...!!! -


Em uma notícia publicada no jornal “Coimbra 39 – Jornal de Anúncios” correspondente à semana de 20 a 26 de Junho do ano passado, constava o que segue: “os descendentes de inquilinos deixam de herdar arrendamento”.

Há que alertar os consumidores para esta afirmação altamente falsa e errónea, já que os descendentes do arrendatário, sucedem sim ao arrendamento do mesmo.

Em primeiro lugar, há que referir o que o Regime do Arrendamento Urbano de 1990, consagrava para os casos de transmissão por morte do arrendatário. As pessoas a quem se transmitia o arrendamento eram:

Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto;
Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano;
Pessoa que com ele viva em união de facto há mais de dois anos, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente de pessoas e bens;
Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano; afim na linha recta, nas condições referidas (...) e, pessoas que com ele vivessem em economia comum há mais de dois anos
”.

Em segundo lugar, e tendo em conta a lei que agora se aplica, aos contratos para habitação que hajam sido celebrados antes de 15 de Novembro de 1990, celebrados na vigência do antigo regime e aos contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU, ou seja, após 15 de Novembro de 1990, a transmissão por morte dá-se em favor das seguintes pessoas:

Cônjuge com residência no locado;
Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência no locado;
Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;
Filho ou enteado com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a vinte e seis anos, frequente o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;
Filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%
”.

Este é o chamado regime transitório que ainda em muitos casos será aplicado.

Em terceiro lugar, o Novo Regime do Arrendamento Urbano estabelece no n.º 1 e n.º 2 do artigo 1106.º do Código Civil quais as pessoas que sucedem ao arrendamento em caso de morte do arrendatário:

1. O arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva:
a) Cônjuge com residência no locado ou pessoa que com o arrendatário vivesse no locado em união de facto e há mais de um ano;
b) Pessoa que com ele residisse em economia comum há mais de um ano.
2. No caso referido no número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, em igualdade de circunstâncias, sucessivamente para o cônjuge sobrevivo ou pessoa que, com o falecido, vivesse em união de facto, para o parente ou afim mais próximo ou de entre estes para o mais velho, ou para o mais velho de entre as restantes pessoas que com ele residissem em economia comum, há mais de um ano
”.

Ora, quando a lei se refere no n.º 2 do supra mencionado artigo, aos parentes mais próximos, quer-se referir aí, nomeadamente, aos filhos do arrendatário que, juridicamente, são parentes em 1.º grau em linha recta.
Portanto, é falsa a informação veiculada pelo jornal referido.

Os consumidores devem ser devidamente informados... e não enganados!

É preciso ter cuidado com o que se comunica a terceiros, já que tais informações podem conduzir a equívocos dificilmente irremediáveis.
Que se diga então a verdade...

Alice Conde
Jurista
Jul.06

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Recorrer aos julgados de paz?!

Recorrer aos Julgados de Paz...Porque não?!

Previstos na Constituição da República no n.º 2 do artigo 209.º os Julgados de Paz acham-se concretizados na Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho. São integrados na categoria dos tribunais “lato sensu”, apesar de serem deles diferentes, designadamente, dos Tribunais Judiciais, colocando-se ao lado dos Tribunais Arbitrais, como meios extrajudiciais de resolução de conflitos.

São um órgão de soberania (artigo 110.º n.º 1 da Constituição), independente (artigo 203.º da Constituição) e com competência para administrar a justiça em nome do povo.

Os Julgados de Paz são tribunais com características especiais, onde se pretende resolver os conflitos de forma rápida e a custos reduzidos. Além disso, têm a particularidade de funcionar durante todo o ano, inclusivé aos sábados de manhã, não desfrutando de férias judiciais.

Estes Julgados de Paz têm o dever de servir os consumidores, mas estes têm, por sua vez, o dever de participarem activamente na procura de soluções para os seus conflitos e de boa-fé.

Assentam em diversos princípios que os diferenciam dos tribunais judiciais. São eles o princípio da simplicidade (que consiste na eliminação do que seja um mero ritual); o princípio da adequação (que consiste no modo como os actos decorrem, tendo em vista a razão de cada um deles); o princípio da informalidade (segundo o qual deve prevalecer o conteúdo dos actos e não a sua forma); o princípio da oralidade (que significa que “é a falar que a gente se entende”); e o princípio da absoluta economia processual (segundo o qual os actos processuais serão reduzidos ao mínimo indispensável.

As matérias que lhes podem ser submetidas para apreciação e julgamento são as previstas no artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de que se pode destacar as seguintes:
• Incumprimento dos contratos e obrigações (excepto contrato de trabalho e arrendamento rural);
• Responsabilidade civil (contratual e extracontratual);
• Direito sobre bens móveis e imóveis, como a propriedade, condomínio, escoamento natural de águas, comunhão de valas, abertura de janelas, portas e varandas, plantação de árvores e arbustos, paredes e muros divisórios;
• Arrendamento urbano (exceptuando o despejo);
• Pedidos de indemnização cível, quando não tenha sido apresentada participação criminal ou após a desistência da mesma, como por exemplo, ofensas corporais simples, difamação, injúrias, furto e danos simples, alteração de marcos, entre outros.
As matérias que não são reguladas pelos Julgados de Paz são as de Direito da Família, Direito das Sucessões e Direito do Trabalho.

No que respeita às custas neste tipo de tribunais, estes reconduzem-se a uma taxa única de € 70,00, a cargo da parte vencida ou repartidas entre o demandante ou demandado, na percentagem determinada pelo Juiz de Paz, caso o processo termine por conciliação ou tal venha a resultar da sentença proferida.

Da referida taxa de € 35.00, a mesma, é paga com a apresentação do requerimento inicial e da contestação da primeira intervenção no processo, por cada uma das partes, respectivamente.
Se o processo for concluído por acordo, conseguido através da mediação, a taxa é de € 50,00.
No entanto, há que referir que no âmbito da Lei do Consumidor se diz que: “é assegurado ao consumidor o direito à isenção de preparos nos processos em que pretenda a protecção dos seus interesses ou direitos (...) desde que o valor da acção não exceda a alçada do tribunal judicial de 1ª instância”, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º.

Durante o processo, as partes têm de comparecer pessoalmente, podendo, no entanto, se pretenderem, fazer-se acompanhar por advogado, advogado estagiário ou solicitador. Quanto à constituição de advogado, é sempre obrigatória na fase de recurso.

Os conflitos podem ser resolvidos por três vias diferentes:
1) Pela mediação: se essa for a vontade das partes e com a intervenção de um mediador de conflitos. Esta via reflecte a vontade expressa dos consumidores quererem resolver os seus conflitos de forma amigável e através do diálogo.
Aqui, “se as partes chegarem a acordo, é este reduzido a escrito e assinado por todos os intervenientes, para imediata homologação pelo juiz de paz, tendo valor de sentença”, como se diz no artigo 56.º da Lei n.º 78/2001.
2) Por conciliação: em momento prévio ao julgamento.
3) Por julgamento: através de uma sentença do Juiz de Paz.

De destacar que se pode recorrer da sentença do Juiz de Paz para um Tribunal Judicial, desde que o valor da acção seja superior a € 1.870,49.
O prazo médio para a resolução de um conflito é de cerca de um mês e meio, o que dá a ideia de celeridade.
A título de informação, os Julgados de Paz actualmente existentes são os que seguem: o de Coimbra, Lisboa, Miranda do Corvo, Porto, Seixal, Sintra, e Trofa.
Depois temos os Julgados de Paz de agrupamentos de Concelhos como os de Aguiar da Beira e Trancoso, o de Cantanhede, Mira e Montemor-o-Velho, o de Oliveira do Bairro, Águeda, Anadia e Mealhada, o de Santa Maria de Penaguião, Alijó, Murça, Peso da Régua, Sabrosa e Vila Real, o de Tarouca, Armamar, Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira e Resende, e o do Concelho de Terras de Bouro, Vila Nova de Gaia e Vila Nova de Poiares.
Fica então a pergunta: porque não recorrer aos Julgados de Paz?!

Coimbra, 01 de Agosto de 2006
Alice Conde
Jurista

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Prescrição...

Prescrição, prescrição só em Braga e... por um canudo!


No dia 26 de Maio do presente ano, foi publicada uma notícia no Jornal “Tal & Qual”, segundo a qual a empresa de distribuição de água - Agere -, de Braga, decidiu cobrar aos consumidores dívidas que remontam a 1995 e que correspondem a quantias da ordem dos 150 mil euros.

Os consumidores, por sua vez, recusam-se a pagar as quantias em dívida, alegando para tal que já prescreveram e invocando o artigo 10.º da Lei n.º 23/96 de 26 de Julho, que à prescrição se reporta.

A Agere, por seu lado, invoca que tais dívidas se mantêm e que são exigíveis, já que os consumidores não pagaram os seus consumos.

Tendo presente os factos, cumpre emitir os seguintes esclarecimentos legais:

Existe aqui uma prestação de serviços públicos essenciais, os quais são regulados pela Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, que consagra uma série de mecanismos destinados a proteger o consumidor / utente de serviços públicos, os quais, segundo o diploma, se cingem ao fornecimento de água, de gás e de energia eléctrica, após a exclusão das telecomunicações, móveis e fixas.

O consumidor em vista é “a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo”. O consumidor, neste passo referenciado, exorbita do que o artigo 2.º n.º 1 da Lei do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) consagra: “é todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.

Segundo a Lei 23/96, ou Lei dos Serviços Públicos Essenciais, o “prestador do serviço deve proceder de boa-fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger”.

Além de que há um especial dever de informação que impende sobre o prestador de serviços, o qual deve prestar todas as informações sobre as condições em que o serviço é fornecido.

O problema da cobrança indevida por parte da Agere prende-se com um problema de interpretação sobre a natureza da prescrição prevista no n.º 1 do artigo 10.º, que especifica que “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.

Se, por um lado, a prescrição para os consumidores da Agere tem natureza liberatória, para a administração da Agere, a prescrição tem uma natureza presuntiva, interpretação que faz toda a diferença.

Perante isto, cumpre fazer a distinção entre estas figuras.

A prescrição liberatória (ou negativa) “é uma forma de extinção de um direito pelo seu não exercício por um dado lapso de tempo fixado na lei, e variável de caso para caso”, segundo os ensinamentos de Ana Prata, in Dicionário Jurídico.

Ou, em outras palavras, é aquela que é destinada essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor - Manuel de Andrade, in Teoria Geral, II, pág. 452.

A prescrição presuntiva é aquela “em que as obrigações a que se refere costumam ser pagar em prazo bastante curto e que não é costume exigir quitação do seu pagamento”, conforme Vaz Serra, in RLJ, 109.º - 246.º.

Perante a diferenciação das figuras, podemos entender os motivos que levam a que o advogado da Agere invoque que as dívidas dos seus utentes não estão vencidas, só assim acontecendo “se o pagamento não for exigido quando a factura não é paga”, o que foi feito na altura, acrescentando que “se assim não fosse, qualquer cidadão deixaria de pagar e, ao fim de seis meses, fazia novo contrato sem que nada lhe sucedesse”.

De facto, para a administração da Agere a apresentação da factura interpela o consumidor/utente a pagar, e se isso não acontecer cabe à Empresa provar que efectivamente esse pagamento não foi realizado, conforme o artigo 344.º n.º 1 do Código Civil: cabe ao credor provar que o crédito não foi satisfeito.

Entende a mesma que o artigo 10.º n.º 1 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais se refere apenas à apresentação das facturas correspondentes ao serviço prestado.

Este entendimento das coisas já foi adoptado pela nossa jurisprudência, destacando-se o Acórdão da Relação do Porto, de 28 de Junho de 1999, onde se diz que a prescrição do artigo 10.º da Lei n.º 23/96 é presuntiva, e assim, provando-se que o devedor não pagou, este terá de satisfazer o seu crédito ao credor, podendo somar-se os juros de mora.

Este acórdão, por sua vez, foi objecto de um parecer do Prof. Calvão da Silva, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que deitou por terra quase todos os argumentos utilizados pelo citado Tribunal.

Este entendimento é também o do Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 10-12-2003, definiu que “é de seis meses o prazo da prescrição extintiva e liberatória que a nova lei, a Lei n.º 23/96, artigo 10.º n.º 1, de 26.07, estabelece agora para o credor da prestação de serviços públicos essenciais, como o são os serviços de fornecimento de água, gás e telefone, exercer o direito de exigir o pagamento do preço daquele serviço”.

Segundo este Professor e o entendimento que deve ser adoptado do artigo 10.º da Lei referida, é o de que a prescrição tem natureza liberatória.

Assim, “ao declarar que prescreve o crédito, a nova lei não pretende somente estabelecer uma presunção de pagamento, mas determinar que a obrigação civil se extingue subsistindo a cargo do devedor apenas uma obrigação natural”. Em rigor, “a obrigação não se extingue, mas somente o meio de exigir o seu cumprimento e execução (...)”.

Pelo que, se a obrigação de pagar as facturas da água não for voluntariamente cumprida, o direito de exigir judicialmente o pagamento do preço deixa de existir.

Para além disto, o prazo de seis meses vem substituir o de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea g) do Código Civil, que diz que prescrevem no prazo de cinco anos “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.

Este prazo de prescrição tem uma natureza liberatória, fazendo extinguir a obrigação a que se encontra ligado, e convertendo-a em obrigação natural. Tal prazo tem como fundamento evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos.

Os consumidores de água de Braga podem recusar-se fundadamente ao pagamento das dívidas e opor-se ao exercício dos direitos prescritos, pois o que subsiste apenas é uma obrigação natural, cujo cumprimento não é judicialmente exigível.

Além disso, o prazo de seis meses da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, o que equivale a dizer que se torna exigível no termo de cada um dos períodos a que corresponde uma factura autónoma.

Calvão da Silva acrescenta que no n.º 1 do artigo 10.º deveria ler-se, depois do que já foi explanado:

“O direito de exigir judicialmente o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação mensal, data da exigibilidade da obrigação e da possibilidade de exercício do direito”.

Por fim, há que acentuar que a figura da prescrição é um instrumento que faz jus ao Princípio da Protecção dos Interesses Económicos do Consumidor, que nos surge no artigo 9.º n.º 1 , onde se lê:

“O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos”.

Além de que o Governo deve “adoptar medidas adequadas a assegurar o equilíbrio das relações jurídicas que tenham por objecto bens e serviços essenciais, designadamente água, energia eléctrica, gás, telecomunicações e transportes públicos”, conforme o artigo 9.º n.º 8 da Lei do Consumidor.

Concluindo: a prescrição prevista no artigo 10.º é liberatória e os utentes de consumo de água da Agere não devem pagar qualquer quantia à empresa, já que as dívidas cujo pagamento exige, não podem ser judicialmente exigíveis.

Se o forem, cabe ao consumidor arguir na contestação a excepção de que se trata (vide, artigo 489.º do Código de Processo Civil), já que o juiz não pode suprir de ofício a prescrição, consoante o artigo 303.º do Código Civil, que diz:

“O tribunal não pode suprir, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”.

Se o consumidor não invocar a excepção, que leva à absolvição do pedido, por muito estranho que pareça, vai ser coagido a pagar. O que é um contra-senso...


Alice Conde
Julho.2006